terça-feira, 1 de dezembro de 2009

XX














Ontem vi-te numa rua de Lisboa, seguias em passo apressado rumo a uma cave qualquer que te ocupava o pensamento, escondi-me na tua sombra e segui a tua Alma. Foste ouvir um Poeta, foste escutar emoções… Olhei-te de longe pelos recantos, as palavras fugiam por entre as paredes daquela cave, ecoando pelo âmago dos presentes na esperança de poder penetrar o Eu mais profundo de cada um dos que ali estavam e Tu imóvel, como que estarrecido pelo que escutavas, ficaste apenas, escutaste, estiveste, sentiste o sabor das palavras que traziam melancolia, tristeza, mas também esperança, tocou-te a força da sobrevivência e a atracção da morte. As estrofes conversavam entre elas e contigo também, perguntavam-te quem eras e tu escondido na caverna do silêncio, imóvel, nada disseste, ficaste apenas, escutaste, estiveste,

Vi-te a olhar o Poeta com jeito de admiração, acho que foi a única emoção que te vi, o teu olhar é agora insondável, os olhos? poço negro, bacilento, escuro que reflecte apenas o nada, ainda assim olhei melhor e o nada estava lá, tentei-te agarrar e talvez tenhas fugido ou provavelmente nem estavas lá. És sombra que foge do sol que derrete com o simples reflexo de luz, na caverna do silêncio imóvel, nada disseste, ficaste apenas, escutaste, estiveste.

Viste as lágrimas do Poeta, o limpar do canto do olho, já o tinhas visto antes num outro dia que às vezes não te recordas e aí nesse preciso momento, olhando para a tua sombra, vi a tua metamorfose, da crisálida não nasceu uma borboleta mas sim um lobo, que anseia a liberdade das montanhas. Não tens asas e as cores não pintam a tua Alma , és cinzento e o teu olhar é

penetrante e frio, anseias abraçar as montanhas geladas do Annapurna, porque todo o ser humano se devia pôr a prova pelo menos uma vez na Vida, voltando assim à sua essência. Depressa te voltei a perder e tu ali escondido na caverna do silêncio imóvel, nada disseste, ficaste apenas, escutaste, estiveste.

E de repente os poemas abandonaram a cave e vi-te partir, fugiste com eles numa simbiose perfeita, partiste em solidão ou como te escutei um dia, naquela «solidão» que tanto gostas. Desceste a rua e o reflexo do lobo, acompanhou-te, também ele descia a rua, era gigante e num uivo silencioso de felicidade contou-me um segredo, quer partir rumo à liberdade, à beleza dos sentimentos, à verdade incorruptível da essência humana.


Por fim, compreendi que apesar de cinzento e frio, o lobo é por definição a Vida e que escondido no nada está verdadeiramente o Tudo.


Quanto a Ti, escondido na caverna do silêncio, imóvel, nada disseste, ficaste apenas, escutaste, estiveste…



João