domingo, 21 de fevereiro de 2010

Partir

















Sigo sem destino, sem rumo, sigo sem fim.

Não busco a Humanidade por isso digo-te, Parti...


João

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Memórias de uma Viagem ao Peru
























Capítulo II- Pisco e Ilhas Balestras.


Entrei no autocarro que me iria levar ao primeiro local por mim designado nesta viagem "Pisco". O tempo previsto para a viagem, 2h30. Estava relativamente nervoso, não sei bem porquê, mas lembro-me que me sentia como uma criança que na expectativa de um brinquedo novo, se sente agitada numa inquietude desconfortaste, apenas saciada quando consegue finalmente o que quer.
O autocarro como não poderia deixa de ser era velho, para não dizer muito velho, para se ter uma ideia provavelmente era um autocarro que aqui em Portugal andava pelas nossas estradas há mais de 20 anos, lembro-me particularmente dos apoios da cabeça, eram amarelos, talvez para darem algum colorido às cinzentas viagens que o autocarro faz. À medida que ia percorrendo as ruas de Lima, fui constatando mais uma vez a pobreza que vive naquelas pessoas, trata-se na minha opinião do pior estado de pobreza que existe a «pobreza urbana», lixo que transborda as ruas, casas decadentes em que se sente o cheiro da sujidade e da pestilência, pessoas que sobrevivem a cada dia que passa, numa penosa viagem pela vida, esperando não pelo dia de amanhã mas sim pela comida do dia de hoje, pessoas que se arrastam pelo tempo, vagabundeando pelas dificuldades que a vida lhes trouxe, provavelmente sem esperança aceitando apenas o destino, aquele destino triste e cinzento. Foi algo que mexeu profundamente comigo e que abalou algumas convicções que tinha. Nunca tinha estado se quer ao pé de tamanha escassez, daquilo que pelo menos entendo sejam as mínimas condições de vida para uma pessoa e posso dizer que não e fácil olhar de frente para aquelas pessoas.
No meu lugar de janela fui observando, olhando, cheirando, sentido, tudo aquilo que estava a viver, anotando no meu caderno pensamentos e gravando na minha máquina fotográfica aquelas imagens inesquecíveis. A paisagem era marcada naquele dia pelo frio cinzento dos céus e pelos tons sépia das dunas que ao longo do mar acompanhavam a minha janela, estava a afastar-me da civilização...
Comecei a disparar fotos e tive alguma preocupação de ver quem ia entrando na camioneta, algo que se revelou ser muito útil mais tarde. Uma das coisas que mais me ficou na retina foi o ritual de despedida das pessoas, acho que é algo que não damos muita atenção nos dias que correm ou pelo menos não temos a nossa atenção focada para esse momento, mas ali sozinho reparava em todos os pormenores, em cada pessoa que cruzava o meu olhar e aquelas despedidas eram sem dúvida momentos únicos de se sentir. Podemos ver nas despedidas os sentimentos que presumo sejam dos mais verdadeiros, entre o viajante e o que fica. Lembro-me particularmente de uns pais que se despediam do seu filho, homem na casa dos vinte e tal anos, dos abraços e dos beijos e de nos últimos segundos antes de entrar no autocarro lhe darem dinheiro para a mão, fez me lembrar o meu Avô que quando era pequeno me dava uns trocos quando me ia embora da sua casa. Depois, os acenos da despedida, o voltar do pescoço que seguia o autocarro, esse que desaparecia no horizonte envolto nas lágrimas da distância…
Fui passando por diversos lugarejos, passagens obrigatórias do itenário da camioneta e fui me dando conta de uma particularidade interessante das habitações naquela zona do Peru, constroem as casas pensado sempre em acrescentar andares, ou seja, os rés de chão das casas têm vigas para construir o andar de cima e não se pense que este tipo de construção é raro, não, nada disso era a maioria, umas já tinham tijolo, outras mesmo o primeiro andar e com aspirações a galgar os céus e partir para o segundo andar, enfim, habitações que do ponto de vista arquitectónico eram realmente muito estranhas, davam ainda um ar de maior degradação àquela zona. Os carros que iam passando também eram autênticas relíquias, perguntando-me muitas vezes como ainda circulavam, ainda para mais naquelas estradas que também não são propriamente estradas comparáveis àquelas que serpenteiam as planícies, vales e montanhas do nosso Portugal. O tempo passava e sentia-me cada vez mais envolvido pelo ambiente que me rodeava, lembro-me de forma intensa de uma habitação, se podemos chamar habitação a quatro paredes com cerca de 20m2, sem tecto, plantada ao pé da estrada e rodeada de terra, dizia "vende-se", perguntei-me quem quereria viver naquelas condições, fechei os olhos e vi a mesma frase, agora na janela de um qualquer apartamento no chiado, como é distante a realidade das pessoas…
Finalmente cheguei ao destino, confirmei que era o local de saída com uma simpática senhora que seguia dois bancos à minha frente. Peguei a minha mochila e juntamente com outros viajantes colocamos os pés no solo de Pisco. Posso dizer que foi uma das piores sensações que tive em toda a minha Vida, olhei para todo o lado e vi degradação, a estrada era de terra, marcada pelo rasgar dos pneus das camionetas e automóveis podres que passavam naquela suposta via, as casas, montes de tijolos, amontadas sem qualquer preocupação e de uma pobreza atroz, as pessoas indiferentes àquele cenário caminhavam na rua indiferentes a tudo. Senti-me infinitamente pequeno e invadido por uma sensação mista de medo, arrependimento e pânico, pensei mesmo que tinha cometido um erro em embarcar nesta viagem sozinho e que iria sofrer as consequências de tal atitude, foi uma sensação horrível, espero não a sentir nunca mais. De repente e sem explicação fiquei calmo, olhei em volta e reparei que as duas raparigas ocidentais que tinham entrado na camioneta comigo também tinham saído em Pisco e não sei bem porquê fiquei mais tranquilo, talvez por perceber que não estava realmente só e que poderia falar com alguém, que possivelmente poderia estar na mesma situação que eu. O ser humano tem em si guardadas esperanças que muitas vezes desconhecemos.
Muito perto do local onde descemos estava uma espécie de posto turístico, tipo uma paragem de autocarro em contraplacado sem porta, em perfeita harmonia com o resto do parque habitacional que ladeava a estrada. Fomos os três falar com o senhor que estava sentado numa secretária muito velha com panfletos promocionais em cima e com fotografias das Ilhas Balestras. As raparigas começaram conversar com o senhor sobre as possibilidades daquela zona. Tanto eu como elas queriamos visitar as Ilhas, rapidamente achei que seria uma boa ideia me juntar a elas, se elas assim o quisessem, resolvi perguntar-lhes isso mesmo, ao que elas me disseram que sim. Entretanto o senhor informo-nos que para ir ver as Ilhas já era um pouco tarde e que os barcos saiam às 8h00 da manhã e que podiamos em alternativa visitar a Reserva Nacional de Paracas nessa tarde e de manhã cedo visitar as Ilhas, depois de algum tempo e conversas sobre o plano que o senhor nos estava a propor, decidimos aceitar a proposta. Outro pensamento que me preocupava era onde iria dormir, isto porque Pisco era realmente um terror, o senhor do posto turístico sugeriu-nos irmos dormir a Paracas, isto porque Pisco desde que tinha sido assolado por um terramoto há dois anos, estava bastante destruído, com poucas condições para viajantes e ainda por cima era perigoso. A minha alma sentiu uma compreensão enorme depois daquela explicação e aquela paisagem pobre e destruída passou a ter um sentido diferente na minha cabeça, o que serviu para me tranquilizar.
O senhor do posto turístico deu-nos então o plano e o respectivo valor da visita, uma meia dúzia de nuevo soles, o que não deixa de ser uma pechincha em euros. Chamou uma táxi para nos levar e lá fomos nós rumo a Paracas. No percurso o Senhor do táxi fez-nos uma proposta mais atraente do aquela feita que o senhor do Posto Túristico, que incluía uma visita particular feita por ele da parte da tarde à Reserva Nacional e a promessa de alojamento ainda mais barato do que que o Senhor do Turismo nos disse. Perguntei logo pelas condições que para mim são mínimas: água quente e que seja limpo. Numa viagem como esta não estava muito preocupado com a vista ou com o design do local onde iria pernoitar, apenas as condições mínimas básicas tinham ser ser cumpridas. A viagem até Paracas demorou cerca de 30 minutos, aproveitei aquele tempo para olhar a paisagem e conhecer as minhas companheiras de viagem para o próximo dia e meio. Eram as duas Americanas, uma vivia em NY e outra na Califórnia, não eram o protótipo do Americano Burro e tinham uma perspectiva de vida bastante open minded. Tinham "deixado" os respectivos namorados e embarcado nesta viagem à procura das sensações Peruanas.

Continua...

João

Liberdade!


















Amo a liberdade, por isso deixo livre tudo que tenho... Se voltar é porque as conquistei, senão é porque nunca as possuí!


John Lennon

Porquê Sonhar...



















E depois...

Apenas o tardar do Silêncio.

João

Segredos


















May I ask why you left 2046?

Whenever anyone asked,
why I left 2046...

...I gave them some vague answer

Before..

...when people had secrets
they didn't want to share

...they'd climb a mountain

They'd find a tree and carve a hole in it,
And whisper the secret into the hole,
Then cover it over with mud,
That way...

Nobody else would ever discover it...

2046 Filme

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
























Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).


Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
E' estar ao lado da escala social,
E' não ser adaptável às normas da vida,
'As normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.


Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se ha uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão


Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!

Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.



Álvaro de Campos