domingo, 30 de janeiro de 2011

Cheiro

















Lembro-me da primeira vez que te vi o cheiro, estava sentado naquela cadeira fria.
Cerrei o olhar, entranhou-se-me na Alma,
hoje voltei a ver o teu cheiro, estranhamente já não é teu, agora é de ninguém...



João

Ontem

























Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.


Fernando Pessoa

sábado, 29 de janeiro de 2011

1+1=0


















Esta semana foi me dada a possibilidade de ler uma crónica do Miguel Esteves Cardoso, não que seja um «admirador» da sua escrita ou dos seus comentários televisivos, mas depois de ler a sua crónica disse para mim, vejo estas palavras todos os dias. Não posso também deixar de dizer que apesar de ver estas palavras todos os dias, existem pessoas que ainda se Apaixonam que ainda Amam, de forma intensa, de forma arrebatadora e isso é tudo...

Aproveito para agradecer à pessoa que me fez ler este texto fantástico, obrigado Ana.

"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".
O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso

Creativity
























“Creativity is the ability to look at the ordinary and see the extraordinary.”

Dewitt Jones

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Mulher do Kimono Verde

























Na minha visita ao Butão fui confrontado com um instante que não se esquece, um momento que dura para sempre, algo que será imortal. Fiquei instalado num Hotel que mais parecia um chalet na Suiça, com a excepção de naquela altura não estar rodeado de neve, tudo o resto parecia igual, o cheiro da madeira, o ranger dos passos, o calor dos quartos. Reparei que o Hotel estava decorado com fotografias locais, de uma sensibilidade extraordinária, o preto transporta-nos para lugares que se escondem que não se ouvem e a luz do branco, leva-nos por campos de flores campestres sem fim, nem princípio.
Era hora de jantar e ali estava eu a percorrer os segundos do dia que passou, viajando nas imagens que tinha capturado, nos sorrisos que tinha retribuído. Naquele dia em particular tinha passeado pelos campos de arroz que rodeavam o hotel e tinha conhecido umas pessoas que trabalhavam a terra, ofereceram-me comida, peguei no arado, fiz uns retratos e apesar de não falarmos a mesma língua, existe uma que é universal a língua da simpatia, essa língua que traz sorrisos, acenos, olhares, essa língua que é por todos compreendida estejamos nós no Butão, em Portugal ou em Marrocos, e foi naquele momento em que corria na minha memória o dia que tinha passado que entrou na sala a Mulher do Kimono Verde, sempre tive um especial fascínio por mulheres orientais, acho-as fascinantes, de uma beleza inquietante, não sei se quer explicar o porquê, viajar pela Ásia apenas confirmou as minhas expectavas, diria que até superou. Voltando à mulher do kimono Verde, «Ela» trajava assim de verde, de um verde brilhante acetinado e tinha cabelo negro como a noite escura, lembro-me que iluminava a sala como uma estrela acabada de nascer, os seus passos deslizavam na Madeira como uma bailarina no Bolshoi, voava baixinho como uma borboleta que num dia de Primavera corre de flor em flor bailando ao sabor do vento, perfumando o olhar de quem se atreve a contemplar a borboleta. Foi assim que conheci a Mulher do Kiomono Verde, dirigiu-se à minha mesa e eu educadamente levantei-me e num aceno breve, cumprimentei esta «figura» que se detinha à minha frente, disse-me que era a proprietária do Hotel e perguntou-me se me podia fazer companhia ao que respondi afirmativamente. A mulher do Kimono Verde devia ter perto de 40 anos e toda ela era graciosidade, os seus movimentos eram lentos, pareciam embalados por uma sonata para piano e violino, viviam num qualquer filme de Wong Kar Way, em que cada segundo dura um minuto e em que cada minuto dura uma hora, pura melancolia... e foi assim que começamos a falar, perguntou-me se bebia chá, respondi-lhe que sim e foi essa a bebida que nos acompanhou nessa noite. Perguntou-me de onde era, porque tinha decidido conhecer o Butão, o que tinha feito naquele dia, como era o meu País e as nossas Gentes, das minhas respostas foram crescendo perguntas e sem sabermos como e porquê, da conversa mais informal e circunstancial fomos navegando para as palavras da nossa vida, os sonhos, diria até que fizemos confidências. É curioso fazermos milhares de quilómetros e encontramos cumplicidade com quem nunca vimos, com quem nunca trocamos uma palavra se quer, um olhar, nada. A Mulher do Kimono Verde falou-me do Bhudismo, da forma como os valores desta religião orientam a sua vida, embora fosse divorciada algo que podemos dizer moderno para uma sociedade muito tradicional, diria mesmo feudal, tinha marcado em si os valores da bondade, da compreensão, do amor pelo próximo, as suas palavras ecoavam em mim como um aríete que deseja destruir uma muralha. E assim a noite correu, correu repleta de sorrisos...

No dia da minha partida estava lá para se despedir, não sei o nome dela, para mim será sempre a Mulher do Kimono Verde…

João