quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Mulher do Kimono Verde

























Na minha visita ao Butão fui confrontado com um instante que não se esquece, um momento que dura para sempre, algo que será imortal. Fiquei instalado num Hotel que mais parecia um chalet na Suiça, com a excepção de naquela altura não estar rodeado de neve, tudo o resto parecia igual, o cheiro da madeira, o ranger dos passos, o calor dos quartos. Reparei que o Hotel estava decorado com fotografias locais, de uma sensibilidade extraordinária, o preto transporta-nos para lugares que se escondem que não se ouvem e a luz do branco, leva-nos por campos de flores campestres sem fim, nem princípio.
Era hora de jantar e ali estava eu a percorrer os segundos do dia que passou, viajando nas imagens que tinha capturado, nos sorrisos que tinha retribuído. Naquele dia em particular tinha passeado pelos campos de arroz que rodeavam o hotel e tinha conhecido umas pessoas que trabalhavam a terra, ofereceram-me comida, peguei no arado, fiz uns retratos e apesar de não falarmos a mesma língua, existe uma que é universal a língua da simpatia, essa língua que traz sorrisos, acenos, olhares, essa língua que é por todos compreendida estejamos nós no Butão, em Portugal ou em Marrocos, e foi naquele momento em que corria na minha memória o dia que tinha passado que entrou na sala a Mulher do Kimono Verde, sempre tive um especial fascínio por mulheres orientais, acho-as fascinantes, de uma beleza inquietante, não sei se quer explicar o porquê, viajar pela Ásia apenas confirmou as minhas expectavas, diria que até superou. Voltando à mulher do kimono Verde, «Ela» trajava assim de verde, de um verde brilhante acetinado e tinha cabelo negro como a noite escura, lembro-me que iluminava a sala como uma estrela acabada de nascer, os seus passos deslizavam na Madeira como uma bailarina no Bolshoi, voava baixinho como uma borboleta que num dia de Primavera corre de flor em flor bailando ao sabor do vento, perfumando o olhar de quem se atreve a contemplar a borboleta. Foi assim que conheci a Mulher do Kiomono Verde, dirigiu-se à minha mesa e eu educadamente levantei-me e num aceno breve, cumprimentei esta «figura» que se detinha à minha frente, disse-me que era a proprietária do Hotel e perguntou-me se me podia fazer companhia ao que respondi afirmativamente. A mulher do Kimono Verde devia ter perto de 40 anos e toda ela era graciosidade, os seus movimentos eram lentos, pareciam embalados por uma sonata para piano e violino, viviam num qualquer filme de Wong Kar Way, em que cada segundo dura um minuto e em que cada minuto dura uma hora, pura melancolia... e foi assim que começamos a falar, perguntou-me se bebia chá, respondi-lhe que sim e foi essa a bebida que nos acompanhou nessa noite. Perguntou-me de onde era, porque tinha decidido conhecer o Butão, o que tinha feito naquele dia, como era o meu País e as nossas Gentes, das minhas respostas foram crescendo perguntas e sem sabermos como e porquê, da conversa mais informal e circunstancial fomos navegando para as palavras da nossa vida, os sonhos, diria até que fizemos confidências. É curioso fazermos milhares de quilómetros e encontramos cumplicidade com quem nunca vimos, com quem nunca trocamos uma palavra se quer, um olhar, nada. A Mulher do Kimono Verde falou-me do Bhudismo, da forma como os valores desta religião orientam a sua vida, embora fosse divorciada algo que podemos dizer moderno para uma sociedade muito tradicional, diria mesmo feudal, tinha marcado em si os valores da bondade, da compreensão, do amor pelo próximo, as suas palavras ecoavam em mim como um aríete que deseja destruir uma muralha. E assim a noite correu, correu repleta de sorrisos...

No dia da minha partida estava lá para se despedir, não sei o nome dela, para mim será sempre a Mulher do Kimono Verde…

João

1 comentário:

  1. Fiquei fascinada! Consegues mesmo colocar o leitor na cena. Uma escrita limpa, sensivel, cheia de detalhes inesqueciveis e acessivel a qualquer um, mesmo quem não faça ideia do que é uma bailarina de Bolshoi :-)

    Um dia devias experimentar escrever um livro sobre as tuas viagens. Aquelas que fizeste e as que sonhas fazer.

    Beijinho
    Su

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